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Reconstruindo a narrativa: repensando a vítima na discussão sobre violência
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Caso submetido ao CNMP e ao Conselho Nacional de Direitos Humanos, compreendendo a necessidade de tempo e compaixão, para conversa sem desprezo.
Em uma audiência em Vitória/ES, um promotor de Justiça do MP/ES mencionou a uma mulher vítima de violência doméstica que ela deveria ‘aquietar o facho’ e permanecer o resto da vida com o ex-companheiro. A mulher solicitava pensão alimentícia para os cinco filhos que tem com o homem. O áudio foi divulgado pelo G1. Confira: ‘Cinco filhos juntos.
A situação exposta revela a gravidade da violência contra as mulheres e a necessidade de combater a brutalidade e a agressão em todas as suas formas. É inaceitável que em pleno século XXI, casos de abuso e desrespeito ainda ocorram, exigindo uma resposta firme e eficaz por parte das autoridades competentes. A proteção das vítimas e a punição dos agressores são medidas essenciais para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Violência e suas faces: brutalidade, agressão, abuso
‘Será que não seria melhor cessar a hostilidade e passar o resto da existência juntos?’, questiona o promotor. ‘Deus me livre, não está nos planos de Deus’, responde a mulher. O áudio que registra esse diálogo foi captado durante a audiência, na qual o promotor Luiz Antônio de Souza Silva teria constrangido a mulher ao fazer comentários sobre a quantidade de filhos que ela tem.
Após o incidente ocorrido em 20 de março, Luiz Antônio de Souza Silva foi denunciado pelo Programa de Pesquisa e Extensão Fordan, da Universidade Federal do Espírito Santo, por violência institucional. Mas o que exatamente é a violência institucional?
De acordo com o CNMP, a chamada ‘vitimização secundária’ (ou violência institucional) acontece quando um agente público submete uma vítima de crime ou uma testemunha de atos violentos a ‘procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a façam reviver, sem justificativa, a situação de violência ou outras circunstâncias potencialmente traumáticas ou estigmatizantes’.
Segundo a lei 14.321/22, os responsáveis por essa prática podem ser punidos com detenção de três meses a um ano, além de multa. O órgão ressalta a gravidade dessa conduta, uma vez que é perpetrada por agentes públicos que deveriam proteger a vítima durante a investigação ou o processo.
O caso em questão envolve uma mulher de 41 anos, mãe de sete filhos, sendo cinco deles fruto de sua relação anterior. As crianças têm idades entre 3 e 13 anos. A mulher relatou ter vivido por duas décadas com seu ex-companheiro, ter sido vítima de múltiplas agressões e possuir medidas protetivas contra ele. Desde 2014, ela era assistida pelo programa da universidade e procurou a instituição para relatar o ocorrido na audiência.
Segundo informações do G1, após a audiência, a mulher obteve a pensão alimentícia, porém, sentiu-se humilhada pelas palavras do promotor. ‘Vivi 20 anos com meu marido. Sofri humilhação, violência, abuso psicológico. Temos que enfrentar o ex-marido em uma audiência e virar alvo de piadas para o promotor. Saímos de lá nos sentindo lixo, não é mesmo? Ficamos ainda mais humilhadas ao denunciar e sermos ridicularizadas. O que nos resta é o silêncio e o retorno para casa’, desabafou a mulher.
Após o relato da vítima, o caso foi encaminhado ao Conselho Nacional de Direitos Humanos e ao CNMP.
Repúdio à violência: desprezo, compaixão, conversa
A Comissão da Mulher Advogada da OAB/ES manifestou seu repúdio ao comportamento ‘sexista, misógino, racista e etarista’ praticado pelo promotor de Justiça Luiz Antônio de Souza Silva durante a audiência na Vara de Família de Vitória. Ao dirigir-se à requerente, ele emitiu juízos de valor, causando constrangimento e desconforto às partes presentes.
‘É inadmissível que situações como essa ainda ocorram em nossa sociedade, apesar de toda a batalha travada pelos movimentos sociais contra o racismo e a violência de gênero.’
Fonte: © Migalhas