Zagallo, a formiga que dedicou sua vida à seleção brasileira.

Lenda brasileira faleceu aos 92 anos, deixando legado de importância e juventude na arte vs tecnologia do futebol.

A seleção dos ídolos modernos é um reflexo da sociedade contemporânea, na qual a rápida mudança e substituição são constantes. A pressão por se manter relevante e popular é constante, levando muitos a alcançar o estrelato momentâneo apenas para desaparecer rapidamente. A busca por novos rostos e talentos nunca cessa, criando uma dinâmica frenética de ascensão e queda.

Na amarelinha da fama passageira, poucos conseguem manter-se no topo por muito tempo. E mesmo os que alcançam o ápice acabam sendo substituídos conforme a próxima copa do mundo da cultura pop se aproxima. É um ciclo implacável, onde até mesmo os maiores astros podem ser esquecidos em meio à multidão de novidades. A história está repleta de exemplos marcantes dessa efemeridade, como a rápida ascensão e queda da banda holandesa que dominou as paradas por um breve momento antes de desaparecer completamente.

Não é diferente no futebol. Mais jovens com potencial

Tente puxar pela memória e vai se surpreender com a quantidade de candidatos a craque que foram uma espécie de cometinhas: apareceram, tiveram visibilidade rápida e logo sumiram. Tem muita gente nessa situação.

Mas um exemplo contrário é o caso de Zagallo. A lenda que morreu no fim da noite de sexta-feira (5).

Ele é um exemplo de desafio contra o tempo. Ele curtiu vida longa – não é fácil chegar a 92 anos! – e longevidade rara no esporte.

O antigo ponta-esquerda foi personagem importante no futebol e atravessou ao menos meio século em evidência. Primeiro como jogador – bicampeão mundial em 58 e 62 -, depois como técnico (tri em 70, vice em 98) ou como coordenador (tetra em 94).

A primeira dessas proezas foi consequência de um bom momento correndo atrás da bola. A segunda poderia ser prêmio pelo sucesso anterior; a terceira, tremenda sorte; a quarta, uma conjunção de fatores favoráveis. A quinta, uma homenagem pelo conjunto da obra. Pois afirmo que todos esses episódios marcantes foram resultados de empenho, dentro e fora de campo. Zagallo soube, como poucos, entender a importância da

amarelinha

, mesmo que com frequência parecesse um patriota chato. Mas ele era assim: radical no amor pela seleção brasileira. A ponto de arrumar desafetos pela defesa incondicional que fazia da tradição do nosso futebol.

Zagallo esteve à frente, em sua época de atleta, ao entender que um ponta-esquerda poderia ter função tática como reforço defensivo, se necessário. Fazia isso num tempo em que atacante era só jogador para atuar no campo do rival.

Legado na Copa do Mundo de 70

Ele não foi apenas um jogador e técnico. Na Copa do Mundo de 70, deu liberdade para os craques, ao mesmo tempo em que admitia um sistema de muita movimentação entre meio-campo e ataque. Anteviu esquema que se tornaria evidente de 74 para a frente, com o futebol total da Holanda, e deveria ter seguido nessa linha. Aliás, aqui faço uma restrição a Zagallo. No Mundial da Alemanha daquela ocasião, se apoiou no sucesso de México 70 e faltou olhar em torno do que se fazia na Europa. Vacilou e foi engolido pelos holandeses. Ainda assim, o Brasil terminou em quarto lugar.

Zagallo foi um símbolo de dedicação à seleção – merece respeito e homenagens. Mas deve ser lembrado sobretudo como alguém que dedicou a vida ao futebol como profissional e apaixonado pelo esporte.

Não foi e nem seria um pop star. Isso não combinou jamais com um homem que, desde que corria pelos gramados, tinha o apelido de

formiguinha

, tamanho o empenho.

Descanse, Zagallo, e reencontre a legião de campeões

Agradecemos pela alegria e pela emoção.

Fonte: ESPN – Futebol